E os dias se passavam. Tão rapidamente que era impossível contar as horas. Uma, duas, três, era impossível. O colorido da vida, as valsas, os jogos, as gargalhadas, onde estava tudo aquilo agora? Era feliz num segundo, mas ali, naquele canto da sala subjugava seu passado, um passado ainda que distante, feliz. Mas estava demasiado longe. E ele nem lembrava agora mais o que era a alegria, como era ser feliz. Sabia que fora um dia, mas agora lembrava da felicidade saindo por aquela porta, junto com as cartas, com as lembranças, com os abraços, com os momentos, com ela. Tudo que tinha, tudo que teve um dia. Mas agora era tarde, o tempo passara, passara, e nada mais restava. O vazio, a sombra o tomava. Em todos os cantos da sala havia um duende que o apontava e o acusava por seus erros. Sabia que errara. Mas errar era humano, todos diziam isso. Mas talvez ela não soubesse. Ela queria um namorado perfeito, ela queria alguém que ele não pudera ser. Ele era só... um garoto, mais um. Com seus sonhos, tristezas, aspirações, e sabia que era, sim, diferente. Olhava os outros, com suas hipocrisias, com frases prontas - quantos
clichês. Todos dizendo ser diferentes, mas ele os colocava todos no mesmo saco, porque sabia que eram iguais, essa era a verdade. Mas não ele, ele era diferente, tinha essa convicção, e sabia que
malgrado tudo, um dia poderia encontrar a garota perfeita, seria difícil, mas conseguiria.
Olhava o céu, nublado, um dia lindo, lindo para ele. Que adorava a apatia, a melancolia, o cinza. Era como se tudo isso desce a ele forças. E todo esse tempo que estivera sozinho pôde
refletir sobre muitas coisas, pôde compreender quem era e para quê estava ali. Sabia qual caminho seguir agora, não existiam mais dúvidas, contudo faltava a presença. E essa presença precisava ser imediatamente preenchida. E aí que seus pensamentos vacilavam, porque ao passo que queria deixar as coisas
fluírem até encontrar o par perfeito, algo dizia a ele que deveria sair às ruas, que em casa, na sua solidão, e naquele quadro de pensamentos jamais apareceria alguém. E sabia que tudo que precisava agora era de uma garota, uma garota. Não importava quem, queria apenas aquela presença feminina, o cheiro, o cabelo, os braços, as palavras, os lábios, os sentimentos, algo que soasse feminino. Queria a presença de uma garota. Sim, agora estava decidido, devia sair às ruas. Procurar alguém, achar alguém. Abraçar, beijar, conversar, sentir, desfrutar, um momento com aquela obra-prima da natureza - a natureza feminil.
Saiu dali, achou melhor partir logo antes que voltasse aquela vontade louca de ficar sozinho e recolher-se, pegou o casaco, saiu. O dia era bom, nublado, frio. Clima perfeito, e pretexto perfeito para conseguir um abraço. Andou uma, duas, três quadras, ninguém. Parecia que as pessoas tinham fugido para longe, haviam se escondido - dele. Até que na quarta quadra encontra alguém. Achou que seria mais simples, que encontraria apenas uma
paquera por aí, ou uma garota conhecida. Porém mais que isso, encontrara ela, que fez uma lágrima descer de seus olhos um dia. Aquela que conseguira um dia despertar seus mais profundos sentimentos. Ela vinha logo ali, a uns dez passos. Pararam, ficaram a se olhar uns cinco segundos até que ele soltou E aí, tudo bem? Sim, e você? Vou bem. Incrível a tranquilidade com que ela o olhava, era como se naquele momento não existisse mais nada além deles. O mundo agora não tinha a menor importância. Ele estava com ela, e sabia que tudo que mais quis um dia era viver o resto de sua vida ao lado daquela garota, que já via como uma mulher consagrada, perfeita e linda como era. Todos aqueles dias com intervalos grandes demais para ele, ela repetia que também sentia por ele o que acreditava sentir por ela. Isso o alegrava
sobremaneira, dava-lhe forças para vencer aqueles dias sozinho. E agora ali, sabia que a um respiro estava toda a essência de sua vida, que era ela. Aquela sensação branda de tranquilidade o tomava, sabia que se pudesse ter ela, sua vida mudaria completamente, voltaria a ser feliz. Aquela presença já o mudara, não se arrependia de ter
saído de casa, pelo contrário, agradecia a quem o tinha feito sair às ruas.
Num movimento mais ousado sentira o perfume. Aquele cheiro vinha carregado de boas lembranças, de momentos
inesquecíveis. Aqueles olhos que podia contemplar agora, o desenho dos lábios, o nariz tão perfeito, o cabelo tão liso, tão negro, tão atraente. Sua tez branca como neve, tudo nela o enternecia, tudo nela provocava nele uma sensação divina. E o futuro talvez dependesse desse momento, uma
dávida encontrá-la ali, não teria outro instante mais oportuno. Parecia combinado,
predeterminado pelo destino aquele encontro. Sonhava com ela todos os dias, dormindo ou acordado, acreditava que assim tinha com ele sua presença. E que ela nunca o abandonara, onde estivesse tinha certeza que ele estava no pensamento dela. Era o que ela declarava sempre. O que acontecia entre eles só eles entendiam. Eram feitos um para o outro. Tudo que acontecera, todas as turbulências do namoro, quantas vezes já não tinham rompido, e quando se reencontravam ficavam como agora, a se contemplarem mutuamente com aquela incrível sensação de paz que sentiam apenas um na
presença do outro. Mas hoje havia algo diferente, e sabia que
apartir dali, tudo mudaria. Ele percebera o quanto a amava e o quanto precisava dela para viver. Daria tudo por ela. Era a mulher da sua vida.
Sem dizer uma palavra, tocou sua mão. Os dedos entrelaçaram-se. E, inesperadamente, os olhos dela se encheram de lágrimas, uma correu, e ela sorriu. Ele a contemplá-la, aquela garota tão linda que chorava agora de alegria por ele. Sorria também. Voltaram-se para um mesmo sentido, e ele não conseguiu segurar Onde ia? Te encontrar.